sábado, 14 de março de 2009

Substancialmente sonho


Parecia que a lua brilhava mais que nunca e o cintilar das estrelas era a cada instante mais magnífico.


Margarida subia, sorrateiramente, as escadas do sótão. A cada passo que dava uma nuvem de pó a envolvia.


Ouvira falar que em tempos a sua avó havia guardado ali um saquinho com um pó mágico, que nos colocaria asas com um misto de sonho e fantasia, voaríamos para um mundo envolvido em doce magia.


O ranger da degradada porta fê-la recuar. O seu coração pulava de ansiedade, mas tentava ocultar o receio que tinha de vir a ser descoberta.


Vasculhara os quatro cantos daquele minúsculo (mas tão misterioso) compartimento e não tinha encontrado nada. Tanto trabalho, tanta aflição para receber em troca uma mão cheia de nada e outra repleta de coisa nenhuma.


Cabisbaixa, saiu dali e olhou de soslaio, aquela sala. Só a janela fascinada pela face da lua se avultava. Fechou a porta devagar, mas estava de tal modo furibunda que bateu levemente três vezes com o pé no velho soalho.


Sentira assim uma forma de descarregar a raiva que sentia. Subitamente viu cair sobre si uma substância marchetada e insigne que se assemelhava a um pó.


O seu sorriso nunca fora tão rasgado até então.


Finalmente realizara-se o tão aguardado desejo.


Os pés dela desprenderam-se vagarosamente do chão. Abriu de novo a porta que mais uma vez rangeu fazendo com que a pequena aranha que lá dormitava se refugiasse apressadamente no buraco da fechadura. As asas estavam cada vez maiores e mais belas. Tinham um colorido tão fulgurante…


Margarida descrevia-as como sendo feitas daquelas penas que tinham os cisnes da história que a mamã lhe tinha contado essa noite.


Inesperadamente a janela desaparecera. Dava lugar agora a uma ampla varanda onde ela se debruçou. Olhou à sua volta, admirou mais uma vez a paisagem. Analisou-a detalhe a detalhe. Piscou os seus minúsculos olhos, um bom par de vezes, beliscou o seu braço e depois de tanta tortura ainda ousou puxar os cabelos.


Queria ter absoluta certeza de que o que estava admirar não passava de uma mera utopia.


Os seus sacarinos olhos miravam a mais melíflua vista, o sonho de qualquer criança (de qualquer adulto, também, podem crer). Sentia-se no ar uma leve brisa confeccionada por finas camadas invisíveis de açúcar.


Margarida tinha o desenfreado desejo de aterrar do seu imaginável sonho.


Queria deixar fincada em tão encantada doçura a sua marca.


Certificar-se que tinha os pés bem assentes na terra, ou melhor… nas gulodices e que não planava nas nuvens dos seus criativos sonhos. Caminhava lentamente, assemelhando-se a uma exploradora, a relva que calcava era coco ralado pintalgado com corante verde. Uns deliciosos ovinhos de codorniz, daqueles de chocolate, eram as reluzentes pedras da calçada. Deixara-se encantar pela doçura do panorama que os seus olhos vivamente cativavam. Margarida nem olhara bem para si, não tinha a mínima noção do quão sortuda era. Estava transformada numa autêntica fada. Cabelos louros manchados aqui e acolá de um rosa bebé, umas asas sedosas, brilhantes, encantadoras, um vestido tão belo quanto ela, era de um cor-de-rosa inigualável que tinha cosido no meio um grande saco, de um tecido vermelho bastante fofinho, em forma de coração. Lá dentro estava guardado o encanto que a ia unir aquela ilha, mais do que ela já se encontrava.


Tinha calçadas umas sabrinas brancas muito cintilantes com uma goma em forma de coração em cima. Para poder descrever meticulosamente o que Margarida via as palavras fogem do alcance. Para terem uma ideia naquela ilha não havia seres humanos como nós. Os habitantes eram todos gulodices. A pequena moça decidiu ir beber um chocolate quente a um café que avistava ao longe. Abriu a waffle que fazia de porta e acomodou-se nos mushmellows que faziam de puffs.


Veio atendê-la uma figura toda bem vestida, com um requinte quem nem dá para imaginar. Era uma bolacha de maçapão em forma de boneca. Os seus cabelos, enfeitados por uma grande fita (tão reluzente que se assemelhava a uma fita de cetim) de doce de ananás, eram fios de esparguete coloridos a azul, tinha uns brincos feitos de pedaços de gelatina de morango. O seu vestido, de massa de amêndoa, muito bem costurado, cheio de pormenorezinhos, que marcavam a diferença.


Era branco, com umas riscas pretas, que se assimilavam a uma renda muito perfeitinha. Tinha um pequeno avental preto onde estava pregado, com umas gomas em forma de botões sarapintadas de açúcar, um bolso. Nesse bolso a boneca guardava todo o dinheiro que lhe davam, pois era especial, notas e moedas de chocolate, muito valiosas para tais “pessoas”. Trazia calçadas uns sapatos de pão-de-ló polvilhados de “formigas” de chocolate, muito curiosos, desenhados por um grande estilista lá da ilha, chamado André Doçura. Margarida ficou maravilhada com eles. Tinham qualquer coisa de especial que lhe inquietava a sua criatividade.


A boneca já estava há mais de cinco minutos a olhar incrédula para a moça pois ela nem uma palavra tinha dito, até se estava a sentir um pouco incomodada por a rapariga estar quase a comer os seus sapatos com os olhos. Finalmente Margarida disse que desejava um chocolate quente e rapidamente a boneca se prontificou a prepará-lo. Vinha servido num copo detalhadamente desenhado com bolachas, que Margarida rapidamente com um ar deliciado devorou. Pagou, levantou-se e sem descolar os olhos dos sapatos da boneca abriu de novo a porta e saiu. Nunca mais iria esquecer aquela boneca, as suas roupas, o seu ar bem-posto. Lá fora cheirava a açúcar caramelizado…


Margarida seguira o rasto de tão delicioso olfacto e fora dar a uma praia. Uma praia como nunca tinha visto. Um grande areal que ia chocar com as ondas de um mar um tanto ou quanto especial. Tirara as suas sabrinas, para sentir com mais intensidade o suave arranhar das migalhas nos seus pés. Sim, migalhas, porque aquele areal era feito somente de bolacha ralada, ou seja, minúsculas migalhas. Caminhou vagarosamente, de olhos semi-cerrados, pelo “migalhal” como se este se tratasse de um gelado que ela queria saborear até ao último grão de açúcar. E a certo momento sentiu os seus pés a serem lambidos por uma substância líquida. Abriu vagarosamente os olhos, e um misto de sensações evadiu o seu ser, estava perante si a mais bela maravilha que algum dia tinha observado. O mar, o extenso mar, todavia tornara-se uma gigante tablete de chocolate derretida. As suas ondas estavam a ser lambidas naquele momento por um rapaz muito giro, por sinal, que fazia surf. Mal avistou a bela margarida dirigiu-se para a margem. Cumprimentou-a com o beijo mais molhado e doce que alguma vez aquelas faces coradas tinham sentido. Muito vagarosamente, mas num tom afável, disse que se chamava André Doçura, que era estilista e nos tempos livres praticava surf.


Ela nem queria acreditar que era ele, o criador de tão apaixonados sapatos pelos quais ela tinha esbanjado elogios interiores. Margarida ficou retraída, coisa que nunca lhe tinha acontecido, pois ela era uma menina extremamente brincalhona, que andava sempre a distribuir sorrisos por toda a gente. André perguntou, muito carinhosamente, se queria aceitar um presente que ele reservara para a pessoa mais bonita que iria ver na sua vida, que estava mesmo à sua frente. As faces da pequena garota ficaram vermelhas, eram muito similares a duas maçãs, mas acabou por aceitar. Pegou na mão de André e deu asas à descoberta da paixão que ali começava a fluir. Pararam o seu inefável voo numa exígua casa construída sobre uma nuvem de algodão doce.


O moço abriu a porta com uma chave de caramelo e de rompante uma luz espreguiçou-se por trás da porta fazendo deslumbrar os dois apaixonados. Essa luz surgiu talvez para criar um pouco de ansiedade na coraçãozito de Margarida. Lá dentro, em cima de um pedestal construído com chupa-chupas estava um par de sapatos encantadores. Sem dúvida superiores aos da boneca do café. Eram tão perfeitos. A sua cor era branca, tinham uma tira cor-de-rosa que ia de encontro a um botão açucarado onde estavam desenhadas umas asas com finas camadas de chantilly mágico. A pequena cachopa iludida por tão forte amor ofereceu um beijo apaixonado a André que retribui meigamente a carícia.


Margarida abriu o bolso do seu vestido e pegou numa mão cheia de pós mágicos que lá se guardavam. Atirou-os levemente para o céu e deixou que a enternecida brisa os fizesse cair sobre eles os dois. André e Margarida abraçaram-se fortemente, deixando que uma chuva de gomas em forma de coração atingisse a ilha. Delicadamente deixaram-se embalar por tão surpreendente paixão e o sonho embalou-os num sono profundo. Um abraço uniu-os eternamente, recortando a sua impetuosa figura na meiga nuvem que os abraçou.


(mónica*)

2 comentários:

  1. oh, que bela história coração *.*
    Tens a capacidade de pegar numa pessoa e levá-la até uma cadeirinha bem pequena, onde a sentas e a deixas embalada pelas tuas maravilhosas historias e encantáveis palavras, e onde se sonha .

    Um beijo para uma grande contadora de histórias <3

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