terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Abraços escritos



"Há palavras que nos beijam, como se estivessem na boca, palavras de amor, de esperança, de imenso amor, de esperança louca. Palavras nuas que beijas quando a noite perde o rosto,palavras que se recusam aos muros do teu desgosto. De repente coloridas, entre palavras sem cor, esperadas inesperadas. Palavras que nos tranportam, aonde a noite é mais forte, ao silêncio que preenche as ruas que se abraça com a morte.
Sem dizer fogo, vou para ele. Sem enunciar as pedras sei que as piso, duramente são pedras e esponjas empregnadas de sorrisos. O vento é fresco, sei que é vento, mas sabe-me a fresco ao mesmo tempo que a vento. Tudo o que sei, já lá está, mas não estão os meus passos nem as minhas pegadas.
Por isso caminho, porque há um intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo caminho e descrubo o meu rumo. Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também, então optei por inventar os meus passos e o meu próprio destino.
E com as palavras de vento e de pedra, invento o vento e as pedras ao meu geitinho e caminho um traçado de palavras. Há palavras que são sombras de árvores ou um bálsamo de terra, um pressentimento de espuma, um incêndio do tacto, uma reverência ao desconhecido.
Amo as palavras que são às vezes sonâmbulos cavalos, satélites de granito, raparigas cegas no fundo das casas, veias de uma estrela submarina. Como não amá-las pela brisa se são pétalas de um clamor silencioso, ou anjos sossegados dormindo sobre a terra, ou, talvez,lúcidas e ébrias, majestosas e puras, magníficas como um dorso recamado de estrelas, intacta revelação de invioladas luas?
Desconfio das palavras, mas às vezes são leves, musicais, aves que planam sobre uma cidade branca, ilhas mágicas, selados vasos, armadilhas de cristal, amoroso amor da matéria terrestre.
Como uma estrela noturna das águas procuro essas guitarras plantadas nas plantas que através de eclipses e da distância erguem uma árvore de música e que como lianas vivas me defendem dos abismos.
Como estátuas de ar, as palavras levantam-se na harmonia delirante do nómada do deserto. Quer sejam suspiros entre arbustos ou encantadas melodias, que estão sempre à altura dos próprios desejos.
Quer o cérebro sangre ou a terra estremeça o seu cerimonial é inesgotável e as suas relíquias permanecem vivas. São abelhas ou astros, as palavras, que buscam alimentos nos ninhos de amêndoa ou nos espelhos da lua?
Amo as palavras, acredito nos seus cristais secretos, nos seus esconderijos subterrâneos, nos seus densos diamantes. Escrevo-as com minucioso ardor entre nscentes e sombras que são anjos de argila, antiquíssimos arqueiros que disparam as flechas de erva sobre as estrelas reluzentes.
Gosto das palavras abstractas mas as que acertam com o centro das 'coisas', e quando as encontro é como se as 'coisas' saissem de entro delas. Essas palavras são duras como objectos que designam pedra, tronco, ferro, o vidro de espelhos quebrados com o calor da mágoa.
Tento incendiá-las quando escrevo, como se o fogo saísse de dentro da frase, e se espalhasse pelo campo da folha numa devastação de sílabas. Então, atiro sobre as palavras outras palavras, água, pó, terra, o ar quente do gelado Inverno, para que a voz não fique silenciosa na paisagem negra.
Recolho os restos, os adjectivos, os advérbios, artigos, preposições,para que as palavras que indicam as coisas fiquem no lugar que já tinham. Pouco importa que as frases percam o sentido. O que fica saõ os nomes das 'coisas', para que as 'coisas' saiam de dentro deles e as possamos ver nos seus lugares.
Por isto, esrevo por entre andaimes, ando por entre linhas. Uma ideia de construção ergue-se no meio das palavras e tijolos. O muro do ponto final separa-me da vida, mas subo o escadote das reticências. Então ponho palavras em cima da mesa, debaixo do chão e deixo que se sirvam delas, que as cortem às fatias, sílaba a sílaba, para as levarem à boca, onde as palavras se voltam a colar, para caírem sobre a mesa. Assim conversamos uns com os outros. Trocamos palavras ou roubamos-las quando sabemos que estão a mais. E em todas as conversas sobram palavras.
Mas há palavras que ficam sobre a mesa, quando nos vamos embora. Ficam frias com a noite e se uma janela se abre o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte, a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo.
Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram palavras sobre a mesa e meto-as no bolso, sem ninguém dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do texto. Algum dia, estas palavrashão-de servir pa alguma coisa. Nem se que seja só para me sentit um pouco louca a escrever. Mas prefiro sê-lo, pois a escrita preenche-me."
Mónica*

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